Publicada entre 1946 e 1948, pelo contista Dalton Trevisan (nascido em Colombo, região da grande Curitiba, PR, em 1925), Joaquim foi
a mais importante revista jovem brasileira de todos os tempos, pois
aliava arte e cultura, dando às suas páginas uma leveza gráfica ímpar.
Na cola dela, surgiram inúmeros veículos jovens por todo o Brasil, pois
aquele era um momento de entrada, no campo literário, de uma vasta
população de produtores culturais, principalmente os das províncias –
cujas cidades os moços tentavam habitar modernamente, rompendo com os
passadismos.
Distribuída em praticamente todos os estados, Joaquim rapidamente
se tornou um sucesso nacional, recebendo colaboração de todos os
cantos. Somente no número 11, em junho de 1947, o catarinense Harry Laus
começa a publicar nela uma pequena série de cartas do nordeste. Neste
ponto da história da revista, ela já era mais brasileira do que
curitibana e a presença de Harry Laus reforça o ideário desse projeto
coletivo.
Laus escreve cartas num estilo altamente palatável, sem
nenhuma pose professoral, bem dentro da gramática descontraída da
revista. Há um tom ficcional nessas cartas, dirigidas não ao editor, mas
ao personagem Joaquim, tomado como uma pessoa de carne e osso.
O catarinense busca não as belezas turísticas de Natal,
mas a cidade viva, sua linguagem e as histórias simples. Há, nas quatro
cartas, um carinho pelas pessoas comuns, percebidas como fonte
artística. Este mesmo sentimento de amor pela periferia, um amor
moderno, vai marcar toda a produção contística de Trevisan e a atuação
da Joaquim. Harry Laus se deixa encantar pelos hábitos
nordestinos, relatando-os com muita afetividade: “Interessante foi a
garotada na estação vendendo água para beber – olha a água fria! –
a duzentão o copo” (n.11, p.18). Tudo é descoberta para esse habitante
do sul que, como toda a sua geração, busca ler, pela língua da
experiência, os outros brasis.
Tal interesse pelo país fica ainda mais evidente na
segunda carta (n. 12, p. 14), quando ele conta os encontros com Câmara
Cascudo, um dos nomes centrais de nosso nacionalismo modernista. É esta
pátria profunda que o escritor catarinense desvela para Joaquim, fascinado pelo sabor de suas expressões e por sua culinária.
Deixando Natal, de trem, ele chega a Recife, atrás do
mesmo contato íntimo com a cidade. Depois de compartilhar suas
descobertas, abandona a escrita da carta para dar prosseguimento à sua
viagem amorosa pela região: “Adeus. Antes de ir embora ainda preciso
descobrir para que lado corre o rio: quando penso que é para um, a maré
empurra para outro” (n.14, p.18). Nestas duas forças antípodas,
vislumbradas na luta entre o rio e a maré, está localizada a tensão que
vai marcar a passagem do escritor pelo nordeste. Na carta seguinte,
última colaboração sua na revista, ele sofre o desejo de retorno: “Não
quero mais ver as praias e esta lua extravagante daqui, nem ouvir o
doloroso lamento do animal mais contemplativo deste mundo, o jumento.
Preciso andar debaixo do céu daí, ver as florestas daí, dormir com
acolchoados de penas, sentir frio e falar saindo fumaça da boca” (n.17,
p.17). E assim se fecha o ciclo que marcou os daquela geração. Eles
querem largar a cidade, descobrir o Brasil e o mundo, para poder voltar e
fundar uma nova cidade natal. É o que poderíamos chamar de ética do
filho pródigo, um movimento típico de culturas novas, em processo de
afirmação. Conhecemo-nos em contraste com outras culturas, importando
coisas mas também ressaltando algumas características próprias.
Se Harry Laus se entusiasma com as cidades e os
tradutores de seu diferencial linguístico, geográfico e humano, ele não
perdoa a tacanhez da arte provinciana e faz uma crítica irônica a um
espetáculo encenado no Teatro Carlos Gomes, em Natal – n. 15, p.6. Era o
contato com o homem nacional periférico que lhe interessava, porque os
modelos técnicos ele os buscava nas altas literaturas.
Tal como confessa à Joaquim (n.13, p.18), num depoimento que
trata de sua opção pelo conto e de suas dúvidas e certezas. Laus
valoriza o artesanato na construção do conto, o trabalho com a
linguagem, apontando como mestres contemporâneos: Joyce, Gide, Virgínia
Woolf, Proust e Sartre – e não é mera coincidência o fato de todos esses
autores terem sido publicados nas páginas da Joaquim – uma revista que condensou o espírito de uma época de abertura para mundo.
(Publicado no Jornal "Ô Catarina!" de 1 de maio de 2002)
terça-feira, 14 de maio de 2013
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